sexta-feira, 20 de junho de 2014

Una folla entre folhas
[parte 1]

As bibliotecas sempre me inspiraram. Aquele ambiente de saber, o silêncio de insuspeitos pecadores, os movimentos lentos dos leitores, os olhares pesados da leitura prolongada em busca de alívio, num decote, numa cintura, numa linha de lábios, num certo jeito de pegar nos in-fólios, lubrificam-me os neurónios, estimulam-me as fendas sinápticas.

Obrigações e paixão pela leitura de textos escassamente editados têm-me levado a passar tardes, dias inteiros e até parte da noite, nalgumas bibliotecas de acervos ricos. Têm sido oportunidades para viajar, conhecer mundos e gentes. É uma maneira interessante de conhecer homens com afinidades com o meu gosto pela leitura, sem precisar de o testar, avançando, portanto, esta etapa de empata.

Era em Madrid, num dia em que os termómetros de rua haveriam de marcar, às 20 horas, 42 graus. Contava seis dias completos de pesquisa aturada, muitas horas de cabeça baixa, de corpo soterrado na cadeira desconfortável, quando me aconteceu uma necessidade impreterível de arejar a vista. Faço um scan da sala, em busca de uma boa razão para interromper o trabalho. De repente, paro num par de olhos cravado em mim há mais tempo do que o de quem olha-sem-estar-a-ver. Um ímpeto leva-me até aos pulsos que emergem de um punho de camisa dobrado, desnudando-os. Parecem uma flor grande (glande, diria a minha vizinha oriental da cadeira ao lado da minha). Concentro-me naqueles centímetros de pele bronzeada que molda uma musculatura tensa, sugerida pela firmeza dos gestos. Sigo-lhe os movimentos, qual passarinho enfeitiçado e engulo em seco. Aquelas mãos, aqueles pulsos delicados apenas o suficiente para pertencerem a um príncipe, irredutivelmente viris, o que me fariam? Ah, mas é tão jovem, que jovem é, Méssaline! — diz-me o hemisfério esquerdo, sempre pronto a inibir a femme cougar, perante um potencial toy boy. Je m’en fous! E a pergunta desce às portas do hipotálamo que não a enjeita. Bem sei o que queria que me fizessem aqueles dedos longos.

Queria-os de surpresa, por detrás, a rodearem-me brandamente o pescoço, a atreverem-se colo abaixo... e as mamas sobem-me e descem-me ao ritmo do peito ofegante.

Queria-os, ainda por detrás, a aventurarem-se por dentro da cintura da saia, a roçagarem-me no ventre e a encherem-se com as minhas ancas... e fecho os olhos para sorver a onda de tusa que ameaça atirar-me para a transgressão do regulamento bibliotecário.

Queria-os, eu com as pernas abertas sob a ampla e longa saia, ele à minha frente, olhos nos olhos, como gosto e exijo, a conduzi-los pelas pernas acima, a fazê-los deterem-se no meio das coxas... e a cona a animar-se, humectante.

Queria-os a entrarem nela, com a sapiência da suavidade e da delonga. Ah! Mas os jovens...

Os olhos continuam a não conseguir evitar-me. Sabem já que lhes quero alguma coisa e não querem adiar o que os meus lhe prometem. Mas como, como aliviar o corpo num templo (passe a redundância) concebido para responder às exigências do espírito? Não sei, isso logo se verá, talvez...

Eis que se levanta. Suspiro, dirige-se a mim. Ah, não, depois de quase me fazer uma tangente, continuou caminho até ao balcão. Ouço-o sussurrar. A prosódia é de quem procura alguma coisa, um livro, claro, Méssaline, que outra coisa havia de querer? Tenho pouco tempo. Escrevo numa folha do moleskine: «¿Le apetece un café?». Ele regressa à mesa de trabalho. É a hora! Antes de chegar, aproximo-me da sua mesa e deixo cair o bilhete sobre o livro aberto.

Agora finjo que leio, mortinha por desfingir. O coração acelera e espalha-me um frémito pelo corpo. Ele senta-se e repara na missiva. Olho-o de frente, séria do que (ainda) não é. Ele sorri-me a confirmar a autoria. Levanto-me:

— ¿Viene?

Ele segue-me, eu não sei bem o caminho para o bar, mas também não me interessa. Deixada a sala de leitura, percorremos longos corredores e falamos do que lemos, do que fazemos. O sotaque do espanhol sul-americano vibra-me nos ouvidos. Veio para aqui por Cela (procelas de sensações túsicas é o que me causa esta fala musical). Paramos um pouco, enfio-lhe os olhos pelos seus adentro, sossegados. Sorri, os pulsos tocam os meus. Fico um condutor de electricidade. Mas prosseguimos. Tomamos o café, eu comento a frustração por esta beberagem espanhola. Creio que não sabe bem ao que me refiro, mas também não interessa, que o meu pensamento está já todo dentro daquele armazém que vi entreaberto. A conversa desliza para os carnavais de Cela. Paro e digo-lhe que não resisto à carnavalização bakhtiniana do que é sério, canonizado, na literatura, e também em muitos momentos da vida. Os olhos chispam-lhe, e lembra-me que há coisas que não devem passar por esse processo destrutivo, desconstrutivo. Desafio-o:

— Por ejemplo, ¿qué?

— La belleza de tu rostro. Sería un crimen profanar a tus estupendos labios.

Confesso que não esperava. Confesso também que me puxou esta provocação:

— ¿Qué crees que profanaría mis labios?

— Una enfermedad.

Muito bem! O moço-pulsos-de-príncipe, tão precoce na consciência da humanal condição!

Seguro-lhe os pulsos — a causa primeira desta andança — e retribuo:

— Tus bellas muñecas las profanaría una guerra. Matarían como suelen hacer los jóvenes varones en las guerras. Pero vivimos en paz, afortunadamente. Hay que aprovechar, ¿no te parece?

E conduzo-o, pelos pulsos, ao armazém isolado. Subo as minhas mãos pelos seus braços, sob a camisa. Ele respira fundo, fecha os olhos e levanta o queixo. De pé, imóveis, desaperto-lhe os botões sobre o peito, devagar. Ele tenta retribuir as carícias. Eu detenho-o:

— ¡Quédate y dime lo que sientes, lo que quieres hacer!

Balbucia qualquer coisa que não chega a palavra.

Fecho a porta.

[Continua, mas não farei como o Sr. Eça de Queirós que nos fechava a porta dos quartos das personagens com reticências, e abria o parágrafo seguinte com outra hora, outro dia. Prometo!]

Sem comentários :

Enviar um comentário